Incentivo à tecnologia decepcionou quem esperava ambiente caótico e favorável ao uso do poder econômico para a captação ilegal de clientela

Por Christina Cordeiro dos Santos, secretária-geral adjunta e corregedora nacional da OAB
Artigo publicado na Folha de São Paulo, dia 28/03/2025
É sedutora a ideia de que a ausência de normas permitiria uma competição justa e igualitária entre todas e todos os profissionais de determinado mercado, bem como a prestação do melhor serviço possível aos contratantes. Trata-se, no entanto, de discurso falacioso, temperado com uma grande pitada de venda de ilusões. No caso específico da advocacia, o mercado é saturado, desigual, cada vez mais competitivo e em constante evolução.
Caso a advocacia não fosse a profissão mais organizada do pais, possivelmente o sistema judicial brasileiro já teria colapsado.
Entre os principais desafios estão a proliferação de cursos de direito sem condições mínimas de formar profissionais qualificados e o uso do poder econômico por profissionais muito interessados em captar clientela e pouco comprometidos com as responsabilidades que a advocacia impõe – entre elas, não atuar contra o próprio cliente nem falar em nome de quem não autorizou.
Além disso, todo advogado tem a obrigação de zelar pela eficiência da justiça, de contribuir para a celeridade processual e de respeitar as normas e leis que regem a atuação de todas as funções essenciais à Justiça.
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ouve a classe e atua cotidianamente para superar esses e outros obstáculos. Para isso, usa campanhas de esclarecimento, propõe projetos de lei e apresenta ações nos órgãos e instâncias oficiais adequadas. O Exame de Ordem é um filtro mínimo para assegurar à sociedade que a profissão é exercida por quem tem a base necessária.
Quem passa pelo exame deve seguir o Código de Ética e Disciplina, que é constantemente revisado para se adaptar às mudanças tecnológicas e sociais. Ele é fundamental também para coibir práticas anticoncorrenciais e promover a inclusão no mercado de trabalho dos jovens advogados (aqueles com até cinco anos de formação) e dos grupos mais vulneráveis.
Nos últimos anos, um trabalho exaustivo de esclarecimento sobre o uso das redes sociais foi feito pela advogada Milena Gama, primeira presidente do Comité Regulador do Marketing Juridico do Conselho Federal da OAB e minha antecessora na função de diretora nacional responsável pela corregedoria da Ordem.
Ficou claro que advogadas e advogados podem, e devem, usar as redes para disseminar informações sobre as áreas do direito, promover conteúdo informativo e educacional e incentivar a transparência dos processos essa é a linha adotada também pela atual gestão. As redes são, afinal, plataformas modernas, capazes de atingir milhões de pessoas a custo muito baixo na comparação com a publicidade tradicional.
É inaceitável, por outro lado, uso da condição de advogado para enganar os cidadãos com promessas que jamais serão cumpridas ou para vender aos jovens uma imagem ilusória da profissão. Esse é um debate sério, que não pode ser pautado pela terminologia jocosa.
O incentivo da OAB ao uso das novas tecnologias de comunicação pela advocacia está positivado, inclusive, no provimento 205/2021, que regula o marketing jurídico. A regra decepcionou, no entanto, quem esperava um ambiente caótico e favoravel ao uso do poder econômico para a captação ilegal de clientela.
O Código de Ética implementa parâmetros razoáveis para impedir a mercantilização de uma profissão responsável por defender a Constituição e as leis, que é fundamental para o funcionamento do sistema de Justiça e do país como um todo. O debate sobre publicidade e comunicação na advocacia é sobre ética, responsabilidade e a oferta de serviços cada vez melhores para o cidadão, de modo a fortalecer a democracia e a Constituição.
Tudo somado, a OAB observa estritamente aquilo que lhe é legado pela Carta e pela lei. E seu papel representar, defender, selecionar e cuidar da disciplina dos advogados em todo o território nacional. Além disso, a Ordem deve defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de Direito, a boa aplicação das leis, a rápida administração da justiça e o aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas.