Ludgero Liberato Advogado sócio do CJAR – Cheim Jorge Abelha Rodrigues Advogados Associados
Artigo publicado em A Gazeta dia 24/02/2024 às 10h00
“Medo é uma coisa dolorosa e debilitante e os formadores de políticas devem se esforçar para proteger o público do medo, não apenas dos verdadeiros perigos”. A frase é de Daniel Kahneman, vencedor do Prêmio Nobel de Economia, ao avaliar como o medo é um viés presente na formulação de políticas públicas, levando a decisões que se distanciam da racionalidade.
Esse fenômeno, quando voltado às leis penais, foi denominado, pelos estudiosos da Política Criminal, como “Direito penal de emergência”, nomenclatura designada à produção legislativa que cria novos crimes ou endurece o sistema penal em razão de clamores sociais, em geral provocados por episódios de grande comoção. A emoção, a dor e o medo acabam por ser os motores dessas inovações legislativas, que não abrem espaço para o contraditório.
A história do Brasil é repleta de episódios assim e um dos mais citados é a aprovação da Lei dos Crimes Hediondos, 15 dias após o sequestro dos empresários Roberto Medina e Abílio Diniz, em dezembro de 1989. O exemplo mais recente diz respeito à proposta que tem por objetivo acabar com as chamadas “saídas temporárias” de detentos do sistema prisional.
O projeto, originado na Câmara dos Deputados e aprovado naquela Casa em 2022, teve sua tramitação no Senado priorizada após comoção pela morte do policial militar Roger Dias da Cunha, no último dia 7 de janeiro, baleado por um detento no gozo desse benefício. No último dia 20, o Senado optou por restringir o benefício, em vez de extingui-lo e, por isso, o projeto voltará para a Câmara dos Deputados.
Mas, afinal, o que é a saída temporária? Trata-se, atualmente, de um benefício que pode ser concedido para condenados em regime semiaberto e permite saídas por até sete dias, cinco vezes ao ano, sem vigilância direta, para visitar a família, estudar ou participar de atividades de ressocialização. Tradicionalmente, são concedidas em feriados, de modo a proporcionar mais tempo com a família. Desde 2019, o benefício não pode ser concedido a condenados por crime hediondo com resultado morte.
Diversas fontes indicam que a taxa de não retorno aos presídios é inferior a 7%. Embora percentualmente baixo, o número absoluto é elevado e são legítimas medidas para reduzi-lo. O equívoco, porém, é a proibição total do benefício ou sua restrição para a maioria dos detentos, pois, mais cedo ou mais tarde, a pena imposta será cumprida e o então detento retornará à sociedade, devendo ser adotados todos os esforços para que não reincida.
Há inúmeros internos, no regime semiaberto, que possuem autorização para trabalhar fora do presídio e que permanecem detidos no período noturno e nos finais de semana. Quais as razões para se impedir que possam passar momentos com seus familiares? O assunto possui variadas nuances que são simplesmente esquecidas quando projetos de lei são aprovados a toque de caixa.
Mudanças desse patamar devem ser realizadas com tempo, após amplos debates, sendo sucedidas de estudos que possam medir o impacto das alterações realizadas frente aos propósitos perseguidos. Ajustes radicais, sem medições quanto à sua eficácia, trazem mais riscos de agravamento do sistema carcerário e dos índices de reincidência do que reais benefícios à Segurança Pública.