Boas práticas de compliance: Imperativo estratégico na era da nova lei de licitações – Por Mariana Beliqui e Larissa Sirtoli Recla no Migalhas

Mariana Beliqui e Larissa Sirtoli Recla*

Artigo publicado no Portal Migalhas no dia 10 de maio de 2025.

Introdução

Imagine uma empresa responsável por manter uma rodovia estadual ou operar um hospital público tenha seu contrato com a Administração suspenso por suspeitas de irregularidades ou por falhas na governança interna. O prejuízo vai além do financeiro: afeta a credibilidade institucional, paralisa serviços essenciais e coloca em risco a própria continuidade do ajuste.  

Para empresas que atuam na prestação de serviços públicos, o compliance deixou de ser uma opção e passou a ser uma exigência estratégica. 

Com a entrada em vigor da lei 14.133/21, a integridade, a transparência e a responsabilidade deixaram de ser apenas boas práticas e passaram a constituir obrigações legais e parâmetros fundamentais para a celebração e a manutenção de contratos públicos.  

Empresas que não se adaptarem a essa nova realidade estão fadadas ao isolamento institucional e à perda de competitividade. Em contrapartida, aquelas que investirem em compliance robusto e efetivo se consolidarão como parceiras confiáveis da Administração Pública e protagonistas de um novo ciclo de contratações públicas mais éticas, eficientes e sustentáveis. 

Compliance como pilar de sustentação contratual 

A implantação de programas de integridade pelas empresas contratadas, sem dúvidas, representa pilar de sustentação dos contratos administrativos, em consonância com os princípios da governança, da gestão por resultados e da responsabilização previstos na lei 14.133/21.

Com efeito, a nova lei de licitações e contratos estabelece em seu art. 25, § 4º, que nas contratações de obras, serviços e fornecimentos de grande vulto, o edital imporá a implantação de programa de integridade do licitante vencedor, no prazo de 6 meses, contados da celebração do contrato. 

Já o seu art. 60,  caput, inciso IV, prevê entre os critérios de desempate entre duas ou mais propostas o desenvolvimento pelo licitante de programa de integridade, conforme orientações dos órgãos de controle. Enquanto o art. 163, parágrafo único, condiciona reabilitação da licitante ou do contratado sancionado à implantação ou ao aperfeiçoamento de programa de integridade no âmbito da referida empresa.  

Além disso, contar com um programa de integridade efetivo fortalece a imagem da empresa frente à Administração Pública, ao mercado e à sociedade, ao demonstrar sua capacidade de prevenir riscos contratuais, sua maturidade institucional e seu compromisso com a correta aplicação dos recursos públicos e a entrega responsável das obras e serviços. 

Elementos essenciais de um programa de compliance eficaz 

Para que o programa de integridade seja eficaz, ele precisa ser mais do que um documento institucional. Deve se traduzir em práticas concretas e monitoráveis, com os seguintes pilares: 

Código de Ética e Conduta: Estabelecimento de diretrizes claras sobre comportamentos esperados e proibidos, bem como sobre os mecanismos de responsabilização aplicáveis. 
Canal de denúncias eficiente: Ferramenta segura, acessível e gerida com independência, voltada ao recebimento de denúncias e à proteção de denunciantes contra retaliações. 
Mapeamento e gestão de riscos: Identificação e tratamento sistemático de riscos operacionais, regulatórios, reputacionais e contratuais, com foco na atividade fim da empresa. 
Treinamento contínuo: Capacitação periódica de todos os colaboradores, com ênfase nos profissionais envolvidos na gestão de contratos públicos. 
Due diligence de terceiros: Avaliação prévia e monitoramento constante de subcontratadas, fornecedores e parceiros estratégicos, com foco em integridade e conformidade. 
Auditoria e monitoramento interno: Verificação periódica da efetividade dos controles internos, acompanhada da implementação de ações corretivas. 
Comprometimento da alta direção: Participação ativa da liderança na promoção da cultura de integridade, no exemplo institucional e na resposta rápida a desvios. 

Empresas que internalizam esses pilares aumentam significativamente sua segurança jurídica e operacional, tornando-se mais preparadas para enfrentar tanto os desafios da execução contratual quanto eventuais fiscalizações, auditorias ou investigações. 

Respostas reativas com responsabilidade e eficiência

Mesmo com mecanismos preventivos robustos, situações de conflito e risco podem surgir ao longo da execução contratual. A forma como a empresa responde a essas situações é o que diferencia organizações resilientes de estruturas vulneráveis.  

A nova lei de licitações, nos arts. 151 a 154 da lei 14.133/21, introduz e regulamenta meios alternativos de resolução de controvérsias – como a mediação, a arbitragem e os comitês de resolução de disputas (Dispute Boards) – que devem ser previstos desde a fase contratual como estratégias de gestão de crises e de preservação da continuidade do objeto. 

Empresas que contam com uma estrutura de compliance consolidada estão mais aptas a responder com agilidade, apresentar planos corretivos, cooperar com a Administração e demonstrar boa-fé e diligência.  

O art. 156 da mesma lei reforça essa lógica ao prever que a existência de um programa de integridade efetivo deve ser considerada como circunstância atenuante na dosimetria das sanções administrativas. 

Recomendações estratégicas para empresas prestadoras de serviços públicos

Diante desse cenário, torna-se evidente que a capacidade de resposta a crises precisa estar acompanhada de uma estrutura preventiva robusta. A construção dessa estrutura exige planejamento estratégico e ações concretas que integrem a cultura de integridade ao cotidiano da empresa.   

Nesse contexto, recomenda-se a adoção de medidas estruturantes voltadas à mitigação de riscos, ao fortalecimento institucional e à conformidade com as exigências da nova lei de licitações e contratos. 

Empresas prestadoras de serviços públicos devem, portanto, incorporar cláusulas de integridade em seus contratos, prevendo penalidades, obrigações acessórias e instrumentos de cooperação em auditorias.  

A gestão de riscos deve ser tratada como atividade contínua, com avaliações periódicas que considerem não apenas aspectos operacionais, mas também riscos reputacionais, regulatórios e ambientais.  

É igualmente essencial manter canais permanentes de diálogo com órgãos de controle, como Tribunais de Contas, controladorias e agências reguladoras, assegurando transparência e abertura institucional.  

A preparação para momentos críticos exige, ainda, o desenvolvimento de protocolos de resposta a crises, com atribuições bem definidas entre os diferentes níveis de governança.  

Por fim, o fortalecimento da cultura ética deve ocupar posição central na estratégia organizacional, por meio de campanhas internas de sensibilização, atuação de comitês de integridade e adoção de indicadores de desempenho atrelados à conformidade. 

Conclusão

Na nova era das contratações públicas, sob a vigência da lei 14.133/21, não há mais espaço para amadorismo, improviso ou opacidade. A excelência na prestação de serviços públicos exige, além da capacidade técnica e da entrega eficiente, um compromisso inegociável com a integridade. 

Empresas que investem em compliance colhem frutos duradouros: maior estabilidade contratual, acesso ampliado a oportunidades de licitação, respeito institucional e blindagem contra riscos que possam comprometer sua continuidade. 

Mais do que atender à legalidade, investir em integridade é investir no futuro da empresa e na construção de um setor público mais confiável, eficiente e justo. Compliance é estratégia, reputação e perenidade.

Mariana Beliqui – Presidente da Comissão de Licitações e Contratos da OAB/ES. Mestre em Direito Processual Civil pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), pós-graduada em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-MG) e bacharel em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Escritório Cheim Jorge & Abelha Rodrigues – Advogados Associados

Larissa Sirtoli Recla – Pós-graduanda em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica (PUC- MG). Membro da Comissão de Licitações e Contratos da OAB/ES. Graduada pela Faculdade Pitágoras. Escritório Cheim Jorge & Abelha Rodrigues – Advogados Associados