Por Lucas Pagcheon Rainha, advogado associado do CJAR
Causou grande polêmica nos mais diversos meios de comunicação a decisão proferida pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, 16/07/2019, que determinou a suspensão nacional dos processos que discutam a matéria objeto do Recurso Extraordinário (RE) 1.055.941, com repercussão geral reconhecida (Tema 990), interposto contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) que anulou ação penal diante do compartilhamento direto de dados pela Receita Federal com o Ministério Público.
Em resumo, no RE, discute-se sobre a possibilidade de o próprio Ministério Público Federal ou Estadual admitir diretamente a quebra de sigilo fiscal e bancário dos investigados/acusados em instituições como a Receita Federal e Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) ou se é necessária a autorização prévia e supervisão do Poder Judiciário. O plenário do STF enfrentará um ponto relevante, qual seja: as balizas objetivas que os órgãos de fiscalização e controle, como o COAF, Receita Federal e BACEN, deverão observar ao transmitir informações automaticamente ao Ministério Público, caso essa ponte direta reste permitida. Isso porque, atualmente, o entendimento predominante do STF (ADI’s 2.386 2.390 2.397 e 2.859) é no sentido de que o acesso às operações bancárias se limita à identificação dos titulares das operações e dos montantes globais mensalmente movimentados, ou seja, dados genéricos e cadastrais dos correntistas, vedada a inclusão de qualquer elemento que permita identificar sua origem ou a natureza dos gastos a partir deles efetuados, sob pena de violação à intimidade e ao sigilo de dados (art. 5°, incisos X e XII, da CRFB/88).
A decisão que decretou a suspensão nacional tomou maiores proporções e foi amplamente divulgada pela mídia, tendo em vista que o pedido incidental, realizado com base no art. 1.038, inciso I, do CPC, que deu origem à decisão do ministro Toffoli, foi formulado pela defesa de Flávio Nantes Bolsonaro, senador e filho do atual Presidente da República. Contra a decisão, argumentou-se que há risco de impunidade, pela suspensão das investigações em curso.
É preciso destacar, porém, duas ressalvas feitas pela decisão, que afastam o argumento de que ela trará impunidade.
A primeira delas é que foi suspenso, também, o transcurso do prazo prescricional nos processos que forem sobrestados. A possibilidade de suspensão da prescrição penal nesses casos já vinha sendo adotada pelo STF desde o julgamento da questão de ordem no RE 966177, quando se alinhou o entendimento pela suspensão do prazo prescricional em processos penais sobrestados em decorrência do reconhecimento de repercussão geral. Vale lembrar que, segundo o entendimento atual, a referida suspensão não é automática, pois é uma discricionariedade do relator do recurso extraordinário.
A segunda ressalva foi a expressa determinação de que a decisão não deve atingir as ações penais e/ou inquéritos ou Procedimentos de Investigação Criminal (PICs) em que os dados compartilhados pelos órgãos administrativos ocorreram com a autorização prévia e supervisão do Poder Judiciário. Desse modo, podem os órgãos continuar a atuar, bastando apenas requerer a intervenção do Judiciário.
Portanto, apesar de polêmica, a decisão do ministro Dias Toffoli está alinhada com o entendimento do STF e adotou as cautelas necessárias para afastar o risco à impunidade.