Ludgero Liberato é Mestre em Direito pela UFES e sócio do Cheim Jorge & Abelha Rodrigues Advogados Associados, com atuação nas áreas eleitoral e criminal.
Há mais de 10 anos iniciou-se a tramitação do projeto de Lei que visa a instituir um novo Código de Processo Penal. Aprovado pelo Senado ainda em 2009, o projeto foi remetido para a Câmara dos Deputados, onde o texto original foi objeto de inúmeras emendas legislativas.
Uma delas reacendeu o debate nacional sobre a necessidade, ou não, de se impor limites ao poder de investigação criminal do Ministério Público, ao propor que as investigações por promotores e procuradores da República ocorram apenas de forma subsidiária, quando demonstrada a insuficiência dos órgãos policiais.
Se é certo que o sistema atual pode e deve ser aprimorado, certo é, também, que a proposta acima mencionada, caso acolhida, configurará verdadeiro retrocesso à apuração de crimes.
Como é sabido, os sistemas jurídicos dos países ocidentais, de modo geral, consagraram regras de separação dos poderes estatais, partindo da premissa de que a concentração de poder é a porta para a arbitrariedade. Criaram-se, então, divisões do poder estatal, que funcionam por meio de conjuntos de regras estabelecidas para evitar que um desses Poderes se sobreponha aos demais. Esses poderes, então, funcionam como freios e contrapesos uns dos outros. Por essa ótica, aparentemente, a separação das funções de investigar, exercida pela polícia, e a de acusar, exercida pelo Ministério Público, seria benéfica ao sistema.
Todavia, ao contrário do que possa parecer, a atividade de investigar não é um fim em si mesma, mas, sim, é um instrumento à disposição de diversos órgãos públicos, e não apenas da polícia, para coleta de elementos sobre a prática, ou não, de ilícito.
Por isso, investigações são realizadas por órgãos fiscais e administrativos, como também são feitas pelo Legislativo e pelo Judiciário, nos âmbitos de suas competências. Esses elementos, uma vez colhidos, poderão resultar, ou não, na instauração de processos, judiciais ou administrativos, para que, à luz do contraditório, haja a possibilidade de se aplicarem sanções. Em outras palavras, não existe monopólio sobre a atividade de investigar.
No caso das investigações criminais, é justamente o Ministério Público o responsável por ajuizar as ações penais e sobre ele recai o ônus de provar, em juízo, a prática de delitos. Por isso, a participação do Ministério Público na investigação é essencial, para que ele possa atuar de modo a colher os elementos que, posteriormente, terá que defender ao longo do processo. Também por isso não pode ficar ele subordinado ao tempo e modo dos órgãos policiais.
Ademais, as investigações conduzidas pelo Ministério Público possuem papel relevantíssimo em apurações de atos envolvendo servidores e membros do Poder Executivo. Isso porque, por imperativo constitucional, as polícias civil e federal são subordinadas, respectivamente, aos governadores e ao Presidente da República, motivo pelo qual não gozam das mesmas prerrogativas concedidas aos membros do Ministério Público.
Dessa forma, a existência de um regime no qual não haja monopólio sobre a investigação criminal favorece a possibilidade de elucidação de crimes e, por consequência, o interesse de toda a sociedade.